quarta-feira, 29 de setembro de 2010

And I wonder, does a land that has great poets have the right to control the ones that has no poets?

Café me dá sono, tomo uma xícara em dias nublados e durmo lindamente. Sexo me dá sono, gozo, viro pro lado e durmo lindamente por umas três horas. Efeito adverso é meu sobrenome.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

domingo, 26 de setembro de 2010

Há vinte e três anos adianto os fatos, meu rosto é transparente de uso; amo mal, muito mal. Penso com as mãos, sou apoética. Também sou feia, tenho poucos vestidos e passo pó laranja nas bochechas. Minha boca vive seca de cigarro, não tenho talento para assoviar. No entanto, sou antiga como Emily Dickinson. Aliás, a matei para então construir o sétimo círculo do inferno. Por amor.

sábado, 25 de setembro de 2010

"Ora", roguei, "que tenha benquerença
tua descência, mas me desenreda
um nó que me embaraça a conhecença:

a vós me pareceu que se conceda
antever o que o tempo em si conduz,
mas co' o presente o mesmo não se suceda."

"Nós vemos, como os que têm frouxa luz",
respondeu, "as coisas que mais longe estão,
tão que ainda em nós a suma lei reluz;

mas, ao achegarem, cessa essa aptidão,
e nada, se ninguém não lo aporta,
conhecemos de vossa condição;

e podes compreender que toda morta
nossa mente será desde o momento
em que se feche do futuro a porta."

A pedido de Dante, Farinata lhe explica que os espíritos do inferno têm o dom de prever o futuro do mundo dos vivos, mas nada sabem do presente.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010


Não amo a mim, logo não te amo.
Smitten: adjective [after verb] -
having suddenly started to like or love something or someone very much.
Smite: verb [T] smote, smitten LITERARY -
to hit someone forcefully or to have a sudden powerful or destructive effect on someone.

Jornal Unicamp – Com freqüência as vanguardas do século 20 vieram na esteira das mudanças dos modos de produção. Apesar da forte mudança de matriz tecnológica nas últimas décadas, não há sinais visíveis de novas vanguardas. Faz sentido a afirmação de que as vanguardas chegaram a seu ponto de esgotamento? Isto é irremissível? Ou as vanguardas seguem existindo e apenas não são percebidas como antes? Naquela mesma entrevista, há doze anos, Haroldo dizia que “os netos da geração de 45 parecem estar de volta, mais retrógrados e reacionários do que nunca”. É possível qualificar a poesia que se pratica hoje no Brasil, isto é, a poesia que tem mais livre curso entre nós? A volta à discursividade é necessariamente um retrocesso?

Augusto de Campos – Para mim, o sentido da palavra ”vanguarda” não está necessariamente ligado a grupos e movimentos, embora, sim, as mudanças tecnológicas afetem a poesia. Mas as questões sociais, também. E muitas outras coisas. Prefiro o conceito atemporal de ”invenção”, que tem como emblema o trovador provençal Arnaut Daniel, do qual só restaram 18 canções. No entanto, embora desgastada, a palavra “vanguarda” pelo menos não engana ninguém. Quem teria a coragem de dizer que Jorge Amado ou Paulo Coelho (“no offense”) são escritores de ”vanguarda” como se pode ainda dizer de Joyce ou Apollinaire? Essa história de que “as vanguardas” já cumpriram o seu papel histórico é argumentação defensiva dos que não souberam ou não puderam conversar com a sua época.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Para J.

"Existem em Paris algumas ruas de tão má reputação quanto a que pode ser atribuída a um homem que cometeu alguma infâmia; existem também ruas nobres, ao lado de ruas simplesmente decentes; um pouco mais além, estendem-se ruas jovens, sobre cuja moralidade o público ainda não teve tempo de decidir; e há ruas assassinas; ruas mais antigas que as mais velhas das viúvas ricas; ruas simpáticas, ruas sempre limpas, ruas sempre sujas, ruas operárias, trabalhadoras, comerciais. Em uma palavra, as ruas de Paris têm qualidades humanas, e seu aspecto geral nos impõe certas idéias contra as quais nos sentimos indefesos. Existem ruas que se parecem com más companhias, onde você não ia querer morar, e outras ruas para as quais você se mudaria com a maior boa vontade. Há algumas ruas, como a Rue Montmartre, com uma bela cabeça, mas que terminam em um rabo de peixe. A Rue de la Paix é larga e comprida, mas não desperta nenhum dos pensamentos nobres e elegantes que podem tomar de surpresa uma alma sensível que estiver caminhando pela Rue Royal, ao mesmo tempo em que certamente lhe falta a majestade que se encontra na Place Vendôme. Se você decidir passear pelas ruas de Île de Saint-Louis, não se espante ao ser tomado por uma tristeza angustiante, que é provocada pela solidão, pelo aspecto melancólico das casas e pela visão das grandes mansões desertas. É quase como se essa ilha fosse o cadáver coletivo dos antigos coletores de impostos do rei, uma espécie de Veneza parisiense. A Place de la Bourse é ruidosa, ativa, prostituída a todos os visitantes; só é bela à luz do luar, às duas horas da madrugada; durante o dia, é uma síntese de Paris buliçosa; durante a noite, torna-se um devaneio sobre a Grécia Antiga. A Rue Traversiére- Saint- Honoré pode ser perfeitamente chamada de uma rua de má reputação. É composta por fileiras de casinhas feiosas e estreitas, mas com duas entradas, nas quais, de andar em andar, encontram-se todos os vícios, todos os crimes, todas as degradações da miséria. Aquelas ruas estreitas expostas ao vento norte, em que o sol somente se atreve a espiar três ou quatro vezes por ano, são verdadeiras ruas assassinas , em que se mata impunemente. Hoje em dia, os policiais sequer aparecem por lá; mas antigamente, o Parlamento teria mandado convocar o chefe de polícia para censurá-lo por permitir que acontecesse lá aquele tipo de coisas. Provavelmente, teria emitido um mandado de prisão contra a rua inteira, como fez há pouco tempo para confiscas as perucas dos eclesiásticos da igreja de Beauvais. Enquanto isso, monsier Benoiston de Châteauneuf demonstrou que a mortalidade nessas ruas era pelo menos o dobro da que ocorria nas outras. Vamos finalizar essa introdução citando o exemplo da Rue Fromenteau, uma rua ao mesmo tempo mortífera e imoral. Estas observações, incompreensíveis para quem não more ou conheça bem Paris, serão sem dúvida aprovadas pelos homens que se dedicam ao estudo e ao pensamento, à poesia e ao prazer intelectual e que sabem recolher, enquanto passeiam por Paris, os prazeres contínuos de flutuam a cada momento ao longo de suas muralhas; serão compreendidas por aqueles para quem Paris é o mais delicioso dos monstros: aqui se vêem as belas mulheres; logo ali, os velhos e os pobres; em um ponto, tudo é novo e reluzente, como as moedas cunhadas no início de um reino; mais adiante, elegante como as mulheres que se vestem no rigor da moda. Realmente, um monstro completo!... Os sótãos cheios de águas- furtadas são uma espécie de cabeças, cheias de ciência e de engenhosidade; seus primeiros andares, estômagos felizes; suas lojinhas, verdadeiros pés: é delas que saem todos os transeuntes, toda essa gente tão ocupada e cheia de compromissos... E como a vida do monstro é ativa ! Mal o ruído da passagem das últimas carruagens que chegam dos bailes cessa em seu coração, já seus braços se espreguiçam em Barrières (barricadas) e ele começa lentamente a se mexer. Todas as portas bocejam, giram em suas dobradiças, como pinças de uma grande lagosta, invisivelmente empurradas por trinta mil homens ou mulheres, cada um dos quais é forçado a viver e menos de dois metros quadrados, mas que tem uma cozinha, uma oficina, uma cama, filhos, talvez um jardim, onde a claridade quase não chega, mas é tudo que pode ver. Quase sem que se perceba, as articulações começam a estalar, o movimento se transmite ao corpo todo e a rua fala. Ao meio-dia, tudo já está vivo, as chaminés fumegam, o monstro come; depois, começa a rugir e a sacudir suas mil patas. Que lindo espetáculo!... E mesmo assim, ah, Paris!Quem não conseguiu admirar tuas paisagens sombrias, os curtos instantes em que brilham a luz, teus becos infindáveis e silenciosos, quem não pode escutar teus sussurros entre a meia- noite e as duas da manhã ainda não teve a menor oportunidade de conhecer sequer um pouco de tua verdadeira poesia, nem contemplar teus contrastes, tão grandes e estranhos!... Todavia, sempre se encontra um certo número de conhecedores, pessoas que não caminham imersas em seus próprios pensamentos, mas que sabem como se deliciar com Paris, que conhecem tão bem sua fisionomia que percebem nela até mesmo uma verruga, um sinal de nascença, o menor rubor. Para outros, Paris é sempre uma maravilha monstruosa, um espantoso conjunto de acontecimentos, de máquinas e de idéias, a cidade em que transcorrem cem mil romances, a verdadeira cabeça do mundo. Só que para estes, Paris é triste ou bela, feia ou linda, viva ou morta; para eles, Paris é uma criatura completa: cada ser humano, cada detalhe de um prédio são apenas um fragmento do tecido celular dessa grande cortesã, de quem conhecem perfeitamente a cabeça, o coração e os fantásticos costumes. Todos eles também são amantes de Paris: ao chegarem a uma determinada esquina, levantam o nariz em direção ao mostrador de um relógio que sabem muito bem que encontra-se lá; são perfeitamente capazes de dizer a um amigo que ficou sem cigarros: " Olhe, siga por aquela passagem, à esquerda há uma tabacaria, fica bem ao lado daquela confeitaria cujo proprietário arranjou uma linda mulher...". E, no entanto, viajar através de Paris é um luxo muito caro para esses poetas... Como podem evitar perder alguns minutos para assistir aos pequenos dramas, aos desastres, às fisionomias, aos pequenos acidentes que nos assaltam a todo momento quando atravessamos esta movimentada rainha das cidades, vestida somente de cartazes e que não dispõe de um único canto para si mesma, por aceitar com tanto complacência todos os vícios da nação francesa!... Quem foi que não passou pela experiência surpreendente de sair de casa até uma das extremidades de Paris e não conseguir sair do centro até a hora do jantar? Ah, são esses que saberão melhor desculpar este prólogo errante que, ainda assim, pode ser considerado como uma única observação profundamente útil e nova, tanto quanto uma observação consegue ser nova em Paris, onde nunca acontece nada de novo, nem mesmo a estátua inaugurada ontem, sobre cujo pedestal um rapazinho atrevido já grafitou seu nome... Pois muito bem, existem aquelas casas que a maior parte das pessoas da alta sociedade desconhece, esses prédios em que a maioria das mulheres que pertencem às classes superiores não poderia entrar sem que pensassem e dissessem delas as coisas mais cruelmente injuriosas. Não importa que essa mulher seja rica, tanto faz que ela possua uma carruagem, não faz diferença que ande a pé ou disfarçada ao percorrer qualquer um dos desfiladeiros deste labirinto parisiense, ao ingressar aí, ela compromete irremediavelmente sua reputação de mulher honesta. E se, por acaso, ela chega a tais lugares depois das nove horas da noite, então as conjecturas que um observador talvez crie em sua cabeça podem originar as conseqüências mais assustadoras. E depois, se essa mulher é jovem e bonita, se ela entra em alguma casa de qualquer dessas ruas, se a referida casa tem um corredor longo, úmido e fedorento; se somente no final do corredor bruxuleia a luz pálida de uma lâmpada a óleo; mais ainda, se sob essa iluminação insuficiente se divisa o rosto horrível de uma velha de dedos descarnados, não resta mais dúvida - e só afirmamos isto porque nosso desejo sincero é proteger as mulheres jovens e belas -, essa pobre criatura está perdida. Está nas mãos do primeiro homem que a conheça e que a encontre casualmente nestes pântanos parisienses. E existe ainda uma determinada rua em Paris na qual esse encontro pode tornar-se o drama mais assustadoramente terrível, um drama de amor e de sangue, uma tragédia bem ao gosto da escola moderna... Infelizmente, essa condenação, essa dramaticidade, somente será compreendida por poucas pessoas, do mesmo modo que essas peças do teatro contemporâneo; e é realmente uma grande pena contar uma história a um público que só a compreende pela metade, que é incapaz de alcançar todas as suas conseqüências. Mas quem é essa pessoa que pode afirmar com plena convicção que sempre foi entendida por todos? Todos nós acabamos por morrer desconhecidos. Esse é o destino de todas as mulheres e também o de todos os escritores."

* Balzac em Ferragus.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Criar não é deformar ou invertar pessoas e coisas. É estabelecer entre pessoas e coisas que existem e tais como elas existem, novas relações.

*Robert Bresson em Notas sobre o cinematógrafo.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Floração ora no pulso esquerdo, ora no direito. É o que acontece quando tenho de realinhá-los. Ajustarei o itinerário pra que você me apreenda. Pior.

sábado, 4 de setembro de 2010

Devolvam-me

Devolvam-me
Devolvam-me aquela porta sem fechadura
Mesmo que já não ligue a nenhum quarto, devolvam-me
Devolvam-me o galo que me acordava todas as manhãs
mesmo que tenha sido devorado, devolvam-me os ossos
Devolvam-me o canto do pastor que soava na encosta da
[montanha
mesmo que tenha sido gravado em cassete, devolvam-me
[a flauta
Devolvam-me o espaço do sexo
mesmo que tenha sido poluído, quero o direito à proteção
[do ambiente
Devolvam-me a boa relação com meus irmãos e as
[minhas irmãs
mesmo que só tenha meio ano de vida, devolvam-me
Devolvam-me todo o globo
Mesmo que tenha sido dividido
em mil países
em cem milhões de aldeias
ainda o quero, muito.

*Yan Li em Um barco remenda o mar.
obs: a formatação original do poema foi atropelada pelo blogspot.






Sobre o caos do desejo (observação não contextualizada).

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Por qué pregunto donde estás
si no estoy ciego,
si tu no estás ausente?
Pedro Salinas


RENÚNCIA

Território tranqüilo,
céu alto e puro,
linha quieta do mar.
Asas, nenhuma.
Vida, nenhuma.

Há quanto tempo que morri.


CANÇÃO SIMPLES

Certeza da paz
à pedra é que peço.
Ao mar peço tudo.
Que fundo mistério,
que doce acalanto
no mar!

Fugi de mim para esquecer-te
e nunca mais voltar.

*Emílio Moura em Itinerário Poético.


quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Para os outros, o universo parece honesto. Parece honesto para as pessoas de bem porque elas têm olhos castrados. É por isso que temem a obscenidade. Não sentem nenhuma angústia ao ouvir o grito do galo ou ao descobrirem o céu estrelado. Em geral, apreciam os "prazeres da carne", na condição de que sejam insossos.
Mas desde então, não havia mais dúvidas: eu não gostava daquilo a que se chama "os prazeres da carne", justamente por serem insossos. Gostava de tudo o que era tido por "sujo". Não ficava satisfeito, muito pelo contrário, com a devassidão habitual, porque ela só contamina a devassidão e, afinal de contas, deixa intacta uma essência elevada e perfeitamente pura. A devassidão que eu conheço não suja apenas meu corpo e os meus pensamentos, mas tudo o que imagino em sua presença e, sobretudo, o universo estrelado...

Lord Auch em História do olho.
Minha violência intimidava. Ralhavam-me, castigavam-me um pouco; era raro que me estapeassem. "Quando se toca em Simone, ela torna-se violenta", dizia mamãe. Um de meus tios, exasperado, fê-lo de uma feita; fiquei tão atônita que a crise estancou de imediato. Talvez me tivessem domado fácilmente, mas meus pais não encaravam tragicamente meus furores. Papai, parodiando não sei quem, divertia-se em repetir: "Essa menina é insociável". Diziam também, não sem uma pitada de orgulho: "Simone é cabeçuda como uma mula". Tirei vantagem disso. Tinha caprichos, desobedecia simplesmente pelo prazer de não obedecer. Nas fotografias de família eu mostro a língua, viro as costas e em torno de mim os outros riem. Essas pequenas vitórias animaram-me a não considerar insuperáveis as regras, os ritos, a rotina; constituem as raízes de certo otimismo que devia sobreviver a todos os processos de domação.

Quanto a minhas derrotas não engendravam em mim nem humilhação nem ressentimento; eu capitulava quando chegava ao fim das lágrimas e dos gritos, estava por demais exausta para ruminar lamentações, não raro esquecera, até, o objeto de minha revolta. Envergonhada de um excesso cuja justificação não encontrava mais em mim, não sentia remorsos; dissipavam-se depressa, porquanto não experimentava dificuldade em obter perdão. Em suma, minhas cóleras compensavam a arbitrariedade das leis que me escravizavam; evitaram que me consumisse com rancores silenciosos. Nunca pus sériamente em dúvida a autoridade. A conduta dos adultos só me parecia suspeita na medida em que refletia o equívoco da minha condição de criança; contra esta é que me insurgia, mas aceitava, sem a menor reticência, os dogmas e valores que me eram impostos.

Simone de Beauvoir em Memórias de uma moça bem comportada.