terça-feira, 18 de janeiro de 2011


_Ainda que mal converse, que mal me note, que mal me queira.
_Ainda que queira falar, me esforço pra não notar e forjo um mal querer.
FIM.

sábado, 15 de janeiro de 2011

" (...) não que eu fosse ingênuo a ponto de lhe exigir coerência, não esperava isso dela, nem arrotava nunca isso de mim, tolos ou safados é que apregoam servir a um único senhor, afinal, bestas paridas de um mesmíssimo ventre imundo, éramos todos portadores das mais escrotas contradições (...)"

"(...) mas nem me passava então pela cabeça espicaçar os conflitos da pilantra, não ia confundir um arame de alfinete co'a iminente contundência do meu porrete, seriam outros os motivos que me punham em pé de guerra, estava longe de me interessar pelos traços corriqueiros de um caráter trivial, e nem eu ia, movendo-lhe o anzol, propiciar suas costumeiras peripércias de raciocínio, não que me metessem medo as unhas que ela punha nas palavras, eu também, além das caras amenas (aqui e ali quem sabe marota) sabia dar aos verbos o reverso das carrancas e das garras, sabia, incisivo como ela, morder certeiro com os dentes das idéias, já que era com esses cacos que se compunham o hábito de nossas intrigas, sem contar que - empurrado pra raia do rigor - meus cascos sabiam inventar a sua lógica (...)"

* Raduan Nassar em Um copo de cólera.
some take it all out on themselves

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

_Eu sou stephen Dedalus. Estou caminhando ao lado do meu pai cujo nome é Simão Dedalus. Estamos em Cork, na Irlanda. Cork é uma cidade. O nosso quarto é no Hotel Vitória. Vitória, Stephen e Simão. Simão Stephen e Vitória. Nomes.
A lembrança da sua infância subitamente se nublou. Tentou evocar alguns dos seus momentos vividos, mas não pôde. Apenas recordava nomes. Dante, Parnell, Clane, Clogowes. Um garotinho tinha aprendido geografia ensinada por uma senhora de idade que conservava duas escovas no seu guarda-vestidos. Depois fora mandado de casa para o colégio, tinha feito a sua primeira comunhão, tinha comido fatias de ameixadas que guardava no gorro do críquete, observara a luz do fogo saltar e dançar na parede dum quartinho na enfermaria e sonhara ter morrido, haver o reitor rezado missa em sua intenção com uma casula negra e dourada, ter sido enterrado no cemitériozinho da comunidade, lá na grande alameda de limoeiros. Mas não morrera naquela ocasião, não. Parnell, esse sim, tinha morrido. Não tinha havido missa na capela pelo morto e nem procissão. Ele não tinha morrido, se esvaíra como uma névoa ao sol. Tinha se perdido, ou errara fora da existência, pois já não existia mais. Que estranho que era pensar nele saindo da existência desse modo, não pela morte, mas se desvanecendo ao sol, ou se perdendo e ficando esquecido nalgum lugar do universo! Seria estranho ver o seu pequeno corpo reaparecer por um momento que fosse: um garotinho com um terno pardo com um cinturão; estaria com as mãos nos bolsos dos lados e as suas calças estariam apertadas, à altura dos joelhos, por elásticos.

* James Joyce em Retrato do artista quando jovem.
Esse porvir abstrato, essa sensação de que a sorte está por mudar, esses janeiros embebidos de uma idéia de recomeço. Tudo mentira. O futuro foi ontem e todos nós sabemos.

domingo, 9 de janeiro de 2011