terça-feira, 26 de outubro de 2010

Coleciono presenças indignas, pessoas que me decepcionam. Amo a todas com devoção. São como lembretes vivos a dizer: desviar é uma arte e desaparecer um talento a ser desenvolvido...

domingo, 24 de outubro de 2010

Propor-Lhe-ei um encontro, talvez por baixo de um relógio, junto a uma Cruz; ficarei à sua espera e ele não comparecerá. Sairá da minha vida sem sequer disso se aperceber. E, por incrível que pareça, eu sairei ao encontro de outras vidas; isto é, apenas uma capa, um prelúdio.

*Virginia Woolf em As ondas.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010


Contudo, são difíceis as histórias que acompanham as pessoas até aos seus quartos. V.W.


Encontrar alguém que sirva de amuleto, alguém que brilhe em dourado, que seja menos áspero que a corrente em ouro que uso no pulso esquerdo. Alguém gigante que, com o passar do tempo, eu possa enterrar por amor à paleontologia.
(sejamos triviais, sejamos íntimos)

V.W.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

como homens como ar.

Sylvia Plath destruiu minha vida.

domingo, 17 de outubro de 2010

Tem uns olhos enormes, coloridos, expressivos, hipnotizantes. Não ouso olhá-los por mais de alguns segundos, o jeito é dividir, pequenas olhadelas rápidas por vez é a solução. O olho mais bonito do mundo é de olhar asséptico, impenetrável, fechado para balanço. Invejo-o.
... as a lovers' dialogue

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

...são asas pesadas aquilo que tenho pregado nos olhos.

*Virginia Woolf em As ondas.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

- Amo - disse Susan -, amo e odeio. Desejo apenas uma coisa. O meu olhar é rígido. Dos olhos da Jinny desprendem-se milhares de luzes. Os da Rhoda assemelham-se àquelas flores pálidas, onde as borboletas nocturnas vêm poisar. Os teus são grandes e redondos, e nunca se quebram. Mas eu já tenho um objetivo. Vejo insectos na erva. Muito embora a minha mãe ainda me tricote meias brancas e me costure bibes, e eu não passe de uma criança, o certo é que amo e odeio.

*Virginia Woolf em As ondas.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Em Bataille, a nudez também era, no plano moral, a atividade intelectual por excelência: "Penso como uma rapariga que tira o vestido". E atribuía ao não-saber, no domínio do conhecimento, o mesmo efeito que a rejeição de uma roupa inútil: "o não-saber desnuda".

*Alexandrian (extratos de Georges Bataille ou L'Amour Noir.)
Duas pessoas que se olham dentro dos olhos não vêem seus olhos mas seus olhares. (Razão pela qual os enganamos sobre a cor dos olhos?)

*Bresson em Notas sobre o cinematógrafo.
Um assunto pequeno pode ser pretexto para combinações múltiplas e profundas. Evite assuntos vastos demais ou distantes demais em que nada o avisa quando você se perde. Ou pegue apenas o que poderia estar mesclado à sua vida e que faça parte da sua experiência.

*Bresson em Notas sobre o cinematógrafo.

domingo, 10 de outubro de 2010

VIII. O JESÚVIO

O globo terrestre fez-se enorme como um crânio calvo em cujo centro o olho, aberto ao vazio, é vulcânico e lacustre ao mesmo tempo. Entre refegos fundos de carne peluda vai estendendo uma paisagem desastrosa e o pêlo dos seus matagais inunda-se de lágrimas. Mas os sentimentos perturbados de uma decadência ainda mais estranha do que a decadência da morte não vão buscar a sua origem num cérebro que é igual aos outros: só lentos intestinos se comprimem por baixo dessa carne nua, tão afetada de obscenidade como um traseiro, e ao mesmo tempo satânica como as nádegas de Igual forma nuas que uma jovem feiticeira mostra ao céu completamente negro, no instante em que a sua base vai abrir-se para lá cravarem um archote em chamas.
O grito de dor arrancado a esta cratera cônica febril soluço de ribombo de trovão.
O olho fecal do sol arrancou-se, também, a estas entranhas vulcânicas; e a dor de um homem quando arranca os olhos a si próprio, e com os seus próprios dedos, não será mais absurda do que este parto anal do sol.

*Bataille em O ânus solar.

sábado, 9 de outubro de 2010

"Quero ser estrangulado a violar uma mulher a quem pudesse dizer: és a noite."

Quero estrangular um homem que me viole: sou a noite.
Só Bataille?! Pois sim, a gente está namorando.
Mas a cópula dos termos não irrita menos que a dos corpos. E quando a mim próprio exclamo: SOU O SOL, disto resulta uma ereção integral porque o verbo ser é veículo do frenesi amoroso.

* Bataille em O ânus solar.
Mas primeiro foi Manet quem se afastou resolutamente dos princípios da pintura convencional ao representar o que via e não o que deveria ver. Ainda por cima a sua escolha metia-o no caminho de uma visão crua, urna visão brutal, que o hábito adquirido não tinha deformado. Os nus de Manet mostram uma brusquidão que a roupagem do hábito (deprimente), da convenção (supressora), não vela.

* Bataille em A lágrima de Eros.

Se para Machado as roupas viabilizam o sexo como praticamos, Bataille acrescenta que a religião é tão importante quanto. O céu em terra é erótico e maldito.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

a joão cabral agrestes
umafalatãofaca
fraturatãoexposta
tãoácidatãoaço
ossotãoosso
que euprocuroe nãoacho
o adversodo quefaço
oconcretoé ououtro
énãoencontronem
palavrasparaoabraço
senãoasdoaprendiz
omenosante osem
quesó aquicontradiz
nuncahouveumleitor
contramaisafavor

Avgvsto de Campos

Bataille não se compromete com o romance, que por definição tira partido de um imaginário parcial, derivado e impuro (todo mesclado com o real): ao contrário, ele se move apenas numa essência de imaginário. Será o caso de dar a esse gênero de composição o nome de “poema”? Não há outra coisa a se opor ao romance, e essa oposição é necessária: a imaginação romanesca é “provável”, o romance é aquilo que, feitas as contas, poderia acontecer, imaginação tímida (mesmo na mais luxuriante das criações), uma vez que não ousa declarar-se sem a calção do real; a imaginação poética, ao contrário, é improvável, o poema é aquilo que não poderia acontecer, em nenhum caso, salvo justamente na região tenebrosa ou ardente dos fantasmas que, por isso mesmo, ele é o único a poder designar; o romance procede por combinações aleatórias de elementos reais; o poema, pela exploração exata e completa de elementos virtuais.

Roland Barthes

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Bataille trouxe para minha vida os sonhos eróticos mais bizarros, relativamente freqüentes que morrem tragicamente a cada despertar.
Só resta uma possibilidade:ao exemplo da fúria opor outro, de horror aviltado. Sade e Goya viveram quase ao mesmo tempo. Sade fechado em prisões, muitas vezes no limite da raiva; Goya, o surdo, fechado trinta e seis anos na prisão de uma surdez total. Um e outro renovaram a sua esperança na Revolução Francesa, um e outro sentiram horror doentio pelo regime baseado na religião. O peso de excessivas dores foi sobretudo aquilo que os ligou. Ao contrário de Sade, Goya não associou dor e volúpia. Apesar disso, a obsessão da morte e da dor tiveram nele a violência convulsiva que as aparenta ao erotismo. Em certo sentido, porém, o erotismo é a saída, a saída infame do horror. Tanto o pesadelo como a surdez encarceraram Goya, sem ser humanamente possível dizer qual deles, Goya ou Sade, foi encarcerado com maior dureza. Que Sade conservou na sua aberração sentimentos de humanidade, não restam dúvidas. Pelo seu lado Goya, em gravuras, desenhos, pinturas (é verdade que sem violar leis) atingiu a aberração mais completa (aliás é bem possível que Sade tenha ficado, de uma forma geral, dentro dos limites das leis).

*Bataille em As lágrimas de Eros.

sábado, 2 de outubro de 2010

"Pequena morte" é como Bataille se refere ao gozo (e é exemplar).

Sagrado!...
As sílabas desta palavra estão antecipadamente carregadas de angústia, o peso que as sobrecarrega é o da morte em sacrifício...
Toda a nossa vida está carregada de morte...
Mas em mim, a morte definitiva ganha um sentido de estranha vitória. Envolve-me no seu clarão, abre em mim o riso infinitamente alegre: daquilo que desaparece!...
Nestas poucas frases, se me não tivesse confinado ao instante em que a morte destrói o ser, acaso poderia falar da «pequena morte» onde me desfaço numa sensação de triunfo sem chegar, verdadeiramente, a morrer?

* Bataille em As Lágrimas de Eros.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

"O que o ser erótico não é, em todo caso: um gerente econômico, um homem de profissão diferenciada, um hipocondríaco." Georg Simmel.

A filosofia platônica do amor, segundo a qual o amor é um estado intermediário entre o ter e o não-ter, não vai, parece, até o mais profundo de seu ser, mas detém-se apenas numa modalidade de sua manifestação fenomenal, não só porque essa filosofia não leva absolutamente em conta o amor que declara “se te amo, que te importa?”, mas também, na verdade, porque pode apenas designar o amor que morre pela realização de seu desejo.

Georg Simmel

Para C.

Então ela abriu os olhos instantaneamente, em guarda.
Não despertou aos poucos, em abandono e confiança no novo dia. Tão logo a luz ou o som se registrou em sua consciência, o perigo estava no ar, e ela se levantou para ir de encontro às suas investidas.
A primeira expressão dela foi de tensão, coisa que não era bela. Assim como a ansiedade dissipava a força do corpo, também dava ao rosto uma incerteza trêmula, oscilante, que não era beleza, como aquela de um desenho fora de foco.
Lentamente, o que ela compôs com o novo dia foi seu próprio foca, a fim de reconciliar corpo e mente. Isso foi feito com esforço, como se todas as dissoluções e dispersões do seu eu na noite anterior fossem difíceis de reagrupar. Ela era como uma atriz que deve compor um rosto, uma atitude para enfrentar o dia.
O lápis de sombrancelha já não era mais uma mera ênfase de carvão sobre as sombrancelhas louras, mas um desenho necessário para equilibrar uma assimetria caótica. O make-up e o pó-de-arroz não foram aplicados simplesmente para salientar uma textura de porcelana, para apagar as inchações desiguais causadas pelo sono, mas para alisar os pronunciados sulcos desenhados por pesadelos, para reformar os contornos e as superfícies borradas da maçã do rosto, para extinguir as contradições e os conflitos que prejudicavam a clareza das linhas da face, perturbando a pureza de suas formas.
Ela precisava redesenhar o rosto, alisar a fronte ansiosa, separar os cílios esmagados, desgastar os traços de secretas lágrimas anteriores, acentuar a boca como se fosse em uma tela, de modo a conservar seu sorriso luxuriante.
Um caos interior, semelhante àqueles vulcões secretos que, de repente, erguem os sulcos nítidos de um campo pacificamente arado, aguardava, por trás de todas as desordens do rosto, cabelo e roupa, uma fissura por onde explodir.
O que ela via agora no espelho era um rosto excitado, de olhos claros, sorrindo, liso, lindo. Os múltiplos atos de compostura e artifício apenas lhe dissolveram as ansiedades; agora que se sentia preparada pra enfrentar o dia, emergia sua verdadeira beleza, que havia sido desgastada e arruinada pela ansiedade.
Ela julgou suas roupas com a mesma avaliação dos possíveis perigos externos que fizera do novo dia, o qual entrara através das janelas e portas fechadas.
Acreditando no perigo brotado tanto de objetos quanto de pessoas, que vestido, que sapato, que casaco exigiria menos de seu coração e de seu corpo em pânico?Pois uma roupa também era uma mudança , uma disciplina, uma armadilha que, uma vez adotada, poderia influenciar o autor.
Acabou por escolher um vestido com um buraco na manga. Da última vez que o vestira, estivera diante de um restaurante luxuoso demais, ostentatório demais, no qual tinha medo de entrar, mas em vez de dizer: "Tenho medo de entrar aí", foi capaz de dizer: "Não posso entrar aí com um buraco na manga".
Escolheu a capa que parecia mais protetora, mais envolvente.
A capa também tinha dentro de suas dobras algo que ela imaginava ser uma qualidade possuída exclusivamente por homens: certo ímpeto, certa audácia, certa arrogância da liberdade negada às mulheres.

*Anïs Nin em Uma espiã na casa do amor.