quinta-feira, 24 de março de 2011


on s´est connu, on s´est reconnu, on s´est perdue de vue.

sábado, 19 de março de 2011

O inferno dos vivos não é algo que será; se existe, é aquele que já está aqui, o inferno no qual vivemos todos os dias, que formamos estando juntos. Existem duas maneiras de não sofrer. A primeira é fácil para a maioria das pessoas: aceitar o inferno e tornar-se parte deste até o ponto de deixar de percebê-lo. A segunda é arriscada e exige atenção e aprendizagem contínuas: tentar saber reconhecer quem e o que, no meio do inferno, não é inferno, e preservá-lo, e abrir espaço.

*Italo Calvino em As cidades invisíveis.

quinta-feira, 17 de março de 2011

tão fascinante e tão frio (convencendo a mim mesma). é estúpido ser infeliz em nome do ideal (ainda que uma cópia fiel).

sábado, 12 de março de 2011

Veja: o corpo inclui e é
a significação, a idéia-mestra,
e inclui e é a alma.

* Walt Whitman
Outro dia, em um momento de tédio, assisti um documentário sobre Isabella Rosselline na TV a cabo. Dentre as várias colocações feitas pela atriz, uma me chamou atenção. Tratava-se de um olhar sobre a adoção que nunca tinha me ocorrido antes. Segundo ela, ao ter a filha Ellectra, sangue de seu sangue, a grande delícia foi descobrir na criança traços que eram de sua avó, de seu pai, da própria Isabella. Ter a filha biológica era de certa forma dar continuidade à si mesma e ao círculo familiar, era ir de encontro ao íntimo no nascimento de um terceiro.
Daí que, ao adotar Roberto, o que estava ali não era uma cria sua, com traços específicos seus. A criança não tinha o sorriso do pai, ou a sobrancelha da avó, o que havia ali era um sorriso de criança como um todo, todas as crianças do mundo em uníssono. E assim, o que Isabella experimentou foi justamente esse todo humano, de traços universais, em uma existência que independia da sua. A maternidade tomou outra dimensão.
Hoje, lendo Whitman, voltei a experienciar um pouco dessa questão do pessoal e do todo. Nos poemas do livro Folhas de Relva, o autor vai de um extremo ao outro o tempo inteiro, em pontes lindamente construídas. A experiência rica de assistir nos escritos a sensibilidade particular do poeta se afogando numa vontade de abarçar o todo e vice-versa.
O engraçado é que no texto de introdução ao livro, escrito por Leminski, há uma menção a ecos de Whitman em Maiakóvski, que vão além do tom retórico, da grandiloquência, das revoluções que representam. Ambos se encontram também no narcisismo: "E já se vê no poeta de Song for Myself algo do gigantismo narcisista de Maiakovski, que se dá, simplesmente, como o centro do universo, a coisa mais importante que a vida tenha produzido neste planeta." Se nos poemas temos claro que o próprio para Whitman só é válido quando leva ao todo, o mesmo pode ser percebido na obra de Maiakoviski. Tua seiva é nossa, tua raiz.*

* Poema de Ezra Pound em que o mesmo propõe um pacto a Whitman, no original "Tua seiva é minha, tua raiz".

sexta-feira, 11 de março de 2011

Enquanto eu lia o livro,
a famosa biografia:
_ Então é isso (eu me perguntava)
o que o autor chama
a vida de um homem?
E é assim que alguém,
quando morto e ausente eu estiver,
irá escrever sobre a minha vida?
(Como se alguém realmente soubesse
de minha vida um nada,
quando até eu, eu mesmo, tantas vezes
sinto que pouco sei e nada sei
da verdadeira vida que é a minha:
somente uns poucos traços
apagados, uns dados espalhados
e uns desvios, que eu busco
para uso próprio, marcando o caminho
daqui afora.)

* Walt Whitman.

E das autobiografias, o que pensa? Possível exercício.


A dor de Whitman é esta.

sábado, 5 de março de 2011

Na Galeria

Para P.
Quando a realidade se faz em "Se", e o sonho se torna indicativo em certeza.

Se alguma amazona frágil e tísica fosse impelida meses sem interrupção em círculos ao redor do picadeiro sobre o cavalo oscilante diante de um público infatigável pelo diretor de circo impiedoso de chicote na mão, sibilando em cima do cavalo, atirando beijos, equilibrando-se na cintura, e se esse espetáculo prosseguisse pelo futuro que vai se abrindo à frente sempre cinzento sob o bramido incessante da orquestra e dos ventiladores, acompanhado pelo aplauso que se esvai e outra vez se avoluma das mãos que na verdade são martelos a vapor - talvez então um jovem espectador da galeria descesse às pressas a longa escada através de todas as filas, se arrojasse no picadeiro e brandasse o basta! em meio às fafarras da orquestra sempre pronta a se ajustar às situações.
Mas uma vez que não é assim, uma bela dama em branco e vermelho entra voando por entre as cortinas que os orgulhosos criados de libré abrem diante dela; o diretor, buscando abnegadamente os seus olhos respira voltado para ela numa postura de animal fiel; ergue-a cauteloso sobre o alazão como se fosse a neta amada acima de tudo que parte para uma viagem perigosa, não consegue se decidir a dar o sinal com o chicote; afinal dominando-se ele o dá em um estalo; corre de boca aberta ao lado do cavalo; segue com olhar agudo os saltos da amazona; mal pode entender sua destreza; procura adverti-la com exclamações em inglês; furioso exorta os palafreineiros que seguram os arcos à atenção mais minuciosa; as mãos levantadas, implora à orquestra para que faça silêncio antes do grande salto mortal; finalmente alça a pequena do cavalo trêmulo, beija-a nas duas faces e não considera suficiente nenhuma homenagem do público; enquanto ela própria, sustentada por ele, na ponta dos pés, envolta pela poeira, de braços estendidos, a cabecinha inclinada para trás, quer partilhar sua felicidade com o circo inteiro - uma vez que é assim o espectador da galeria apóia o rosto sobre o parapeito e, afundando na marcha final como num sonho pesado, chora sem o saber.

*Franz Kafka.

quarta-feira, 2 de março de 2011

Nada de psicologia (aquela que descobre somente o que ela pode explicar).

*Robert Bresson em Notas sobre o cinematógrafo.