quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Minha violência intimidava. Ralhavam-me, castigavam-me um pouco; era raro que me estapeassem. "Quando se toca em Simone, ela torna-se violenta", dizia mamãe. Um de meus tios, exasperado, fê-lo de uma feita; fiquei tão atônita que a crise estancou de imediato. Talvez me tivessem domado fácilmente, mas meus pais não encaravam tragicamente meus furores. Papai, parodiando não sei quem, divertia-se em repetir: "Essa menina é insociável". Diziam também, não sem uma pitada de orgulho: "Simone é cabeçuda como uma mula". Tirei vantagem disso. Tinha caprichos, desobedecia simplesmente pelo prazer de não obedecer. Nas fotografias de família eu mostro a língua, viro as costas e em torno de mim os outros riem. Essas pequenas vitórias animaram-me a não considerar insuperáveis as regras, os ritos, a rotina; constituem as raízes de certo otimismo que devia sobreviver a todos os processos de domação.

Quanto a minhas derrotas não engendravam em mim nem humilhação nem ressentimento; eu capitulava quando chegava ao fim das lágrimas e dos gritos, estava por demais exausta para ruminar lamentações, não raro esquecera, até, o objeto de minha revolta. Envergonhada de um excesso cuja justificação não encontrava mais em mim, não sentia remorsos; dissipavam-se depressa, porquanto não experimentava dificuldade em obter perdão. Em suma, minhas cóleras compensavam a arbitrariedade das leis que me escravizavam; evitaram que me consumisse com rancores silenciosos. Nunca pus sériamente em dúvida a autoridade. A conduta dos adultos só me parecia suspeita na medida em que refletia o equívoco da minha condição de criança; contra esta é que me insurgia, mas aceitava, sem a menor reticência, os dogmas e valores que me eram impostos.

Simone de Beauvoir em Memórias de uma moça bem comportada.

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