domingo, 12 de dezembro de 2010

Voltou-se para Mercedes e , como se pusesse a examiná-la, uma estranha intranqüilidade fluía em seu sangue. Às vezes acometia-o uma febre que o levava a errar sozinho, à noite, ao longo da avenida silenciosa. A paz dos jardins e as benevolentes luzes nas janelas derramavam terna influência dentro do seu coração sem sossego. A algazarra das crianças nos folguedos irritavam-no e suas vozes bobas faziam-no sentir ainda mais agudamente do que sentira em Clogwes quanto era diferente dos outros. Não queria brincar. O que queria era encontrar no mundo real a imagem sem substância que a sua alma tão constantemente baralhava. Não sabia onde a descobriria, nem como; mas um pressentimento o advertia sempre que essa imagem, sem nenhum ato aparente seu, lhe viria ao encontro. Haviam de se encontrar sem alvoroço, uma entrevista talvez num daqueles portões ou noutro lugar mais secreto. Estariam sós, cercados pela treva e pelo silêncio; e nesse momento de suprema ternura ele seria transfigurado. Dissolver-se-ia dentro de qualquer coisa impalpável, sob os olhos dela. E depois então, num momento se transfiguraria. Prostração, timidez e inexperiência abandoná-lo-iam nesse mágico momento.

*James Joyce em Retrato do artista quando jovem.

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