sábado, 23 de abril de 2011

Qual a função sexual da nudez, na realidade? As roupas embaraçam o contato e o movimento. Mas parece que a nudez possui um valor visual positivo, de direito próprio: queremos ver o outro despido: o outro nos entrega a visão dele próprio e nós a captamos - sem fazer muito caso se é a primeira ou a centésima vez. O que essa visão do outro significa para nós, como é que, naquele instante de total descobrimento, isso afeta nosso desejo?
A nudez do outro age como uma confirmação e provoca um forte sentimento de alívio. Ela é uma mulher como outra qualquer: ou ele é um homem como qualquer outro: ficamos subjugados pela maravilhosa simplicidade do mecanismo sexual que nos é familiar.
Conscientemente não esperávamos, naturalmente, que fosse de outro modo: desejos homossexuais inconscientes (ou desejos heterossexuais inconscientes, se o casal em questão for homossexual) tenham talvez levado cada um deles a esperar algo diferente. Mas o 'Alívio' pode ser explicado sem recurso ao inconsciente.
Não esperávamos que fossem diferentes, mas a urgência e a complexidade dos nossos sentimentos alimentaram um senso de coisa única que a visão do outro, como ele (ou ela) é, agora desanuvia. Parecem-se mais com os outros de seu próprio sexo do que deles diferem. Nesta revelação reside o caloroso e amistoso - em oposição ao frio e impessoal - anonimato da nudez.
Seria possível exprimi-lo de maneira diferente: no momento em que a nudez é pela primeira vez percebida, um elemento de banalidade é introduzido: um elemento que existe somente porque dele precisamos.
Até aquele instante, o outro era mais ou menos misterioso. As etiquetas não são meramente puritanas ou sentimentais: é razoável reconhecer uma perda de mistério. E a explicação para essa perda de mistério pode ser em grande parte visual. O foco de percepção move-se dos olhos, boca, ombros, mãos - todos capazes de sutilezas de expressão tão variada quanto é rica a personalidade que eles exprimem; move-se daí para as partes sexuais, cuja disposição sugere um processo totalmente convincente porém singular. O outro é reduzido ou elevado - o que se preferir - à sua categoria sexual primordial: masculina ou feminina. Nosso alívio é o de encontrar uma realidade inquestionável, cujas exigências diretas nossa primitiva percepção, altamente complexa, deve agora ceder.
Precisamos da banalidade que encontramos no primeiro instante do descobrimento porque ela nos confirma na realidade. Mas faz mais do que isso. Essa realidade, ao prometer o que nos é familiar, o proverbial mecanismo do sexo, oferece, ao mesmo tempo, a possibilidade da compartilhada subjetividade do sexo.
A perda do mistério ocorre simultaneamente com o oferecimento dos meios para a criação de um mistério compartilhado. A seqüência é: subjetivo - objetivo - subjetivo ao poder dos dois.

*John Berger em Modos de ver.

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