sábado, 26 de junho de 2010

Ela saiu antes de a noite cair. Pela vidraça, seguiu-a com os olhos, enquanto se afastava. Sem repostas para a sua pergunta, perguntou a si mesmo se o andar de uma mulher se modificava de alguma maneira quando tinha acabado de fazer amor. Sem você, pensou um pouco depois, não encontro resposta para nada. Procurou imaginar o seu sexo mudando de forma na cadência de seu andar. Quantas vezes, principalmente quando atormentado pelo desejo, não o tinha desenhado, sem, entretanto, nunca se satisfazer com a imagem realizada? Faltava sempre alguma coisa e, a partir do momento que tentava fixá-lo na tela, omitia inevitavelmente, um aspecto ou outro. Totalmente consciente de não estar fazendo uma grande descoberta, pensou que isso se devia ao fato de que faltava a parte invisível que, mais ainda do que no caso do iceberg, era a mais importante. Evidentemente, era essa parte dissimulada que fazia toda a diferença. Um poeta das ruas, cujas estrofes eram divulgadas sem intermediário, tinha descrito o sexo ávido da mulher como um lobo uivando em um dia de inverno com a neve caindo densa.
Ismail Kadaré, As frias flores de abril.  

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