A "beleza única e nova" do rosto da mulher que, diz Proust, Dostoiévski trouxe ao mundo. Esta beleza secreta presente também em todos os quadros de Veemer - sempre a mesma mesa, o mesmo tapete, a mesma mulher, imanando esta impressão particular que a cor produz. Beleza que permanece idêntica em todas as obras de Dostoiévski, nas suas mulheres de rosto misterioso, capaz de mudar bruscamente, fazendo a mulher parecer diferente do que é. A mesma beleza terrível de suas casas grandes e sombrias. Aí se percebe a criação de uma alma das feições e dos lugares.¹
Mas, se o rosto pode ser apreendido na paisagem, a paisagem também pode ser captada no rosto humano. O cinema clássico russo ensina que a paisagem só se revela ao fotógrafo que sabe captá-la em sua manifestação anônima num rosto humano. O que esse cinema fez foi oferecer, pela primeira vez, uma oportunidade de aparecer diante da câmera a pessoas que nunca haviam pensado em se fazer fotografar. Homens que não pretendiam chegar à posteridade pelas fotografias e, por isso mesmo, transportavam para as imagens todo o seu mundo cotidiano.
Benjamin, colocou este paralelo entre a fisionomia e a cidade, tão caro aos retratistas do século XIX. De Baudelaire, ele aprendeu a ver a cidade como um corpo humano e a usar a técnica de sobreposição, que faz com que a percepção da cidade e do próprio corpo se confundam. Tentativa de flagrar esse momento em que o sujeito se inteira da fisionomia da cidade e ao mesmo tempo de si mesmo. Seu rosto então assemelha-se mimetricamente à cidade que ele habita. Essas fisionomias urbanas revelam tanto a silhueta das cidades quanto o perfil de seus moradores.
*Nelson Brissac Peixoto em Paisagens Urbanas.
¹ Marcel Proust, La prisonnière.
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