segunda-feira, 28 de junho de 2010
Deitaram-se no chão, e ela foi tomada por um entorpecimento esmagador. Antônio disse:
_Você se sente como morta, não é?
Foi como se tivessem lhe dado éter. A voz dela parecia vir de muito longe. Ela gesticulou para mostrar que sentia como se estivesse desmaiado. Ele disse:
_Vai passar.
Então começou um sonho horripilante. Ao longe estava a silhueta do homem prostrado, deitado de costas na esteira, depois a silhueta de Antônio, muito grande e escura. Antônio pegou o canivete e inclinou-se sobre Mathilde. Ela sentiu o pênis de Antônio dentro de si, macio e prazeroso, ela mexia-se em gestos lentos, relaxados, vacilantes. O pênis foi retirado. Ela sentiu-o deslizar para fora da umidade sedosa entre as pernas abertas, mas ela não estava satisfeita e fez um gesto como que para reavê-lo. A seguir no pesadelo Antônio segurou o canivete aberto e inclinou-se sobre as pernas abertas de Mathilde e tocou com a ponta do canivete, empurrando-o levemente para dentro. Mathilde não sentiu dor, nem teve energia para se mexer, estava hipnotizada por aquele canivete aberto. Então ficou loucamente consciente do que estava acontecendo – não era um pesadelo. Antônio estava observando a ponta do canivete tocar a entrada do sexo. Mathilde gritou. A porta se abriu. Era a polícia, que tinha vindo buscar o ladrão de cocaína.
Mathilde foi salva do homem que muitas vezes havia retalhado a abertura sexual de prostitutas e que por esse motivo jamais tocava sua amante ali. Ele ficou salvo apenas enquanto morou com ela, enquanto a provocação dos seios dela manteve sua atenção afastada do sexo, da mórbida atração pelo que ele chamava de “feridinha de mulher”, que ele ficava tão violentamente tentado a alargar.
Anaïs Nin em Mathilde.
domingo, 27 de junho de 2010
Levantei e fui direto ao quarto dos meus pais, queria um pouco de algodão. Puxei o pacote da estante e caiu em meu colo um anel de minha mãe. É dourado, grosso e maleável, feito de malha em ouro. Do meu dedo o anel não sai mais, acabou por ornar o que uso pra pinçar cigarros. É desconfortável e parece dizer o tempo todo: não seja como tua mãe. Agora é meu.
Tinha 16 quando do primeiro, daí até cá, meu corpo sente os hematomas de minha alma¹. Enjôo até então era conseqüência de deslocamentos, qualquer que fosse. Hoje enjôo é permanência. Vivo na roda do mesmo jardim, só saio a cada dez dias pra buscar na farmácia o antídoto, troco o enjôo pelo torpor. Torpor sem enjôo é uma possibilidade? O efeito colateral atinge minha fala, falar é muito difícil, minha fala é mortiça. Meu corpo sente os hematomas de minha alma.
¹ Atiq Rahimi, As mil casas do sonho e do terror.